sábado, 12 de julho de 2025

MEMÓRIA DO MOVIMENTO ESCOTEIRO DO AMAPÁ

Nos primeiros anos do Território Federal do Amapá, os tradicionais desfiles cívicos eram realizados na Praça Barão do Rio Branco, um dos marcos do centro de Macapá. O Palanque Oficial era montado na Avenida Iracema Carvão Nunes, no trecho que separa as duas praças e segue até os fundos da antiga Residência Governamental.

Esta foto sem data registra um momento marcante daquele período: a Guarda de Honra dos Escoteiros de Macapá, formada pelos chefes escoteiros Expedito Ferro (91), Clodoaldo Nascimento, Benedito Santos, Biroba e Luciano.
Na imagem, o grupo participa de um desfile cívico, marchando pela rua Iracema Carvão Nunes, em frente ao prédio dos Correios, no coração da Praça Barão do Rio Branco.

Um registro valioso que preserva a memória do Movimento Escoteiro e de uma época emblemática da história de Macapá.

quarta-feira, 9 de julho de 2025

MEMÓRIA ESTUDANTIL DO AMAPÁ > GRÊMIO LITERÁRIO E CÍVICO RUY BARBOSA

Em Macapá, no fim da década de 1940, em um tempo marcado por sonhos cívicos e literários, um grupo de estudantes ousou deixar sua marca. Foi assim que nasceu o Grêmio Literário e Cívico Ruy Barbosa, mais do que uma organização estudantil — um símbolo de protagonismo juvenil, de compromisso com a educação e de amor à cultura.

Breve História dos Grêmios Estudantis no Brasil

Os grêmios estudantis são entidades formadas por estudantes com o objetivo de representar seus interesses dentro das escolas. No Brasil, essas organizações surgiram nos anos 1930, acompanhando o crescimento dos movimentos estudantis em geral. Já naquela época, os estudantes buscavam maior participação nas decisões escolares e melhorias nas condições de ensino.

Durante a ditadura militar (1964–1985), os grêmios foram proibidos e perseguidos por seu caráter organizativo e potencial político. No entanto, com a redemocratização, essas entidades voltaram a ganhar força. A Lei nº 7.398/1985, conhecida como Lei dos Grêmios, garantiu o direito à organização livre e autônoma dos estudantes.

Hoje, os grêmios seguem atuando como espaços de exercício da cidadania, onde os jovens aprendem a debater, propor soluções e participar da vida escolar de forma ativa e crítica.

O Grêmio Ruy Barbosa em Macapá

No cenário educacional de Macapá, em 12 de março de 1949, nasceu o Grêmio Literário e Cívico Ruy Barbosa, congregando alunos do então Ginásio Amapaense. Era o reflexo de uma juventude que ansiava por mais do que ensino formal — desejava espaço para pensar, discutir, escrever e agir.

Memória e Patrimônio

O prédio que abrigou o grêmio segue de pé — silencioso, porém carregado de lembranças. Recentemente, ele tem sido alvo de olhares atentos e propostas de revitalização. Há planos para que o espaço volte a pulsar com a presença juvenil, agora como centro cultural voltado para jovens, resgatando sua função original de semear ideias e identidade.

     Antigo Grêmio Cívico Literário vai virar espaço cultural para jovens

A primeira diretoria foi composta por:

José Raimundo Barata (Presidente) - Mário Quirino da Silva - Edilson Borges de Oliveira

A posse dos dirigentes ocorreu no dia 24 de março, em solenidade realizada no Salão Nobre da Escola Profissional Getúlio Vargas — espaço que, ao longo dos anos, tornou-se a Escola Integrada de Macapá, conhecida por muitos como o antigo GM.

Esse grêmio foi muito mais do que uma instância burocrática ou estudantil: foi um verdadeiro núcleo de formação cultural e política, promovendo debates, encontros literários e atividades cívicas que marcaram profundamente uma geração.

O Grêmio Literário e Cívico Ruy Barbosa simboliza um tempo em que os estudantes tinham sede de participação, de leitura e de pertencimento.

segunda-feira, 7 de julho de 2025

MACAPÁ MEMORÁVEL – CIDADE DE ELEGÂNCIA E HISTÓRIA

Memórias de um Tempo Elegante: Uma Noite na Residência Governamental

Por Floriano Lima (*)

Mais uma das antigas... direto do meu arquivo de memórias.

Era mais uma noite memorável na residência governamental — daquelas que permanecem vivas na lembrança pela elegância simples e pelos rostos familiares de uma época que já não volta. O jantar celebrava o aniversário de Dona Irene, esposa do então governador do Amapá, General Ivanhoé Gonçalves Martins, que esteve à frente do território entre 1967 e 1972.

Lembro do General, no seu fusquinha branco, sempre discreto, dirigindo pelas ruas de Macapá. Parava com frequência na banca de jornais da praça Veiga Cabral para comprar o jornal do dia, e não raro era visto chamando a atenção da moçada para que parasse de namorar cedo — como quem zelava, com autoridade serena, pelo bom comportamento da juventude. Era uma presença marcante, mesmo nos gestos mais simples.

A casa estava cheia. Nomes conhecidos, figuras respeitadas da sociedade local — o senhor Eloy Nunes, a carinhosa Tia Anita, o sempre simpático casal Papaléo — todos presentes com a naturalidade de quem fazia parte de um mesmo tempo, de um mesmo ciclo.

Eu conhecia a todos. Não pela política ou pelo prestígio social, mas pela simplicidade do dia a dia. Frequentavam a loja do meu pai, “A Casa Lima – Joalheria e Relojoaria”, a primeira do ramo em Macapá. Um verdadeiro símbolo de tradição e confiança. Foi ali, entre relógios, alianças e conversas, que laços se formaram — e permanecem guardados comigo até hoje.

Memórias assim são como joias raras: não perdem o brilho com o tempo — apenas ganham valor.

Na foto, à esquerda, reconheço Dona Ivaneide e seu esposo Agostinho Costa, um grande cantor nos tempos de ouro da Rádio Difusora de Macapá. À frente, estão Dona Anita e o senhor Eloy Nunes. Mais atrás, junto à parede, de bigode e terno, está o senhor Manoel Luiz, esposo da professora Terezinha Sampaio, que lecionava piano no Conservatório Amapaense de Música.

Depois, aparece o General Ivanhoé, com Dona Irene sendo cumprimentada por um dos convidados. Atrás do governador, vejo o Mauro, funcionário de uma repartição pública localizada atrás da Catedral de São José.

Estavam lá também o senhor José Maria Papaléo Paes, então presidente da CAESA, acompanhado de sua esposa. Atrás dele, identifico meus pais — Dona Iris Lima e o senhor Luiz Lima — discretamente posicionados atrás de uma senhora de vestido estampado.

São fragmentos de uma história que carrego com carinho. Partes de um tempo em que a vida social de Macapá girava em torno de encontros como esse, marcados por afeto, respeito e uma sensação de pertencimento difícil de descrever — mas fácil de sentir, mesmo tantos anos depois.

(*) Fotógrafo

sábado, 5 de julho de 2025

PRECIOSIDADE HISTÓRICA > UMA MEMÓRIA VIVA DO MARABAIXO

No dia 07 de junho de 1951, há exatos 74 anos, foi feito este precioso registro fotográfico que eterniza um momento de grande significado para a cultura afro-amapaense.

Na imagem, vemos a jovem Benedita Guilhermina Ramos, mais conhecida como Tia Biló, aos 26 anos de idade, entoando os versos do Marabaixo, ao lado de seu pai, o lendário Julião Tomaz Ramos, o Mestre Julião, e de sua mãe Januária Simplício Ramos.

Tia Biló, figura marcante da tradição e da resistência cultural do povo amapaense, está sendo celebrada neste ano de 2025, em razão do seu centenário de nascimento. Uma trajetória de força, fé e musicalidade que ecoa até hoje nas rodas de Marabaixo.

Essa imagem histórica faz parte do acervo do saudoso Mestre Jorge, guardião de muitas memórias do Amapá.

Uma fotografia que fala. Que canta. Que dança com a memória viva do nosso povo.

Mestre Julião e Tia Biló seguem presentes no compasso do Marabaixo, no orgulho das nossas raízes. Viva essa herança!

Fonte:Facebook

MEMÓRIAS DO TRASPORTE FLUVIAL > Araguary: o rebocador que ajudou a construir o Amapá

Há nomes que se inscrevem na história não apenas por sua imponência, mas pelo papel silencioso e essencial que desempenham no cotidiano de um povo. O rebocador Araguary é um desses nomes. Mais do que uma embarcação, ele se tornou símbolo de um tempo em que o Amapá, ainda isolado geograficamente, começava a afirmar sua identidade territorial e a construir suas primeiras conexões com o restante do país.

Nos anos 1940, com a criação do Território Federal do Amapá, o desafio logístico era imenso: rios extensos, mata fechada e quase nenhuma estrutura de transporte. Foi então que o primeiro governador do território, Janary Nunes, liderou a formação de uma frota fluvial sob a responsabilidade do SERTA Navegação (Serviço de Transportes do Território Federal do Amapá).

Rebocador Araguary - em frente à cidade de Macapá

Entre as embarcações adquiridas, o rebocador Araguary se destacou. Com capacidade para 350 toneladas, tornou-se o principal elo entre Macapá e Belém — a ponte vital do Amapá com o restante do Brasil. Junto dele, vieram a alvarenga Uaçá, as lanchas Veiga Cabral e Amapá, os iates Itaguary, São Raimundo, Macapá e São Francisco, além da canoa Liberdade e dezenas de motores de popa.

Durante cerca de três décadas, o Araguary navegou pelo rio Amazonas, enfrentando distâncias e intempéries para transportar cargas, passageiros, sonhos e progresso. Cada travessia era um esforço coletivo para manter o Amapá abastecido, conectado e em movimento.

Na década de 1970, o rebocador foi sendo gradualmente substituído por embarcações mais modernas, acompanhando a evolução dos sistemas de transporte. Seu desligamento das rotas não foi apenas um processo técnico: foi o encerramento simbólico de uma era de pioneirismo e coragem.

Hoje, relembrar o Araguary é mais do que fazer memória. É reconhecer a importância de quem navegou contra a maré do isolamento para garantir que o Amapá seguisse em frente. É valorizar os alicerces de um desenvolvimento construído com bravura, persistência e visão de futuro.

terça-feira, 1 de julho de 2025

MEMÓRIAS DA MACAPÁ DE OUTRORA > LARGO DA MATRIZ 1946

Largo da Matriz: o coração histórico de Macapá em uma imagem rara de 1946

A história de Macapá é rica em transformações que refletem o crescimento da cidade, suas tradições e a memória do seu povo. Antes mesmo da criação do Território Federal do Amapá, em 1943, o centro histórico da cidade já guardava vestígios importantes do período colonial e do cotidiano de seus habitantes.

Neste post, resgatamos a memória do Largo da Matriz — ponto central da antiga Vila de Macapá — e sua importância como palco de eventos religiosos, sociais, administrativos e culturais que ajudaram a moldar a identidade local.

Uma raridade histórica: Macapá em 1946

Entre os silêncios que o tempo impõe às cidades, às vezes uma imagem esquecida é capaz de ecoar memórias profundas. Hoje, trazemos uma fotografia rara de 1946 que revela o antigo Largo da Matriz, conhecido inicialmente como Largo de São Sebastião e, atualmente, como Praça Veiga Cabral — localizada no coração histórico de Macapá.

Essa imagem foi resgatada de um documento oficial e mostra um cenário urbano singular, ainda nos primeiros anos do recém-criado Território Federal do Amapá. Originalmente, a fotografia trazia duas pessoas em primeiro plano, mas com o auxílio da inteligência artificial, optamos por destacar apenas o cenário ao fundo — silencioso, imponente e revelador.

Para entender melhor a cena registrada na imagem, imagine-se em frente à atual Biblioteca Pública, olhando na direção da Rua Cândido Mendes, no cruzamento com a Avenida General Gurjão.

Ao centro, vemos o espaço que um dia abrigou a Escola Municipal de Macapá, hoje ocupado pelo prédio da Embratel, ao lado do Teatro das Bacabeiras.
  • Em frente à grande árvore que aparece na fotografia, acredita-se que foi o primeiro local escolhido para a construção do templo da Assembleia de Deus em Macapá. Porém, a obra foi transferida a pedido do governador, por estar muito próxima da Igreja de São José.

A imagem foi colorizada para destacar seus detalhes e permitir que mais olhos a alcancem, mas guardo com afeto sua versão original em preto e branco — um testemunho da cidade que já foi, e que em parte ainda é.

O antigo Largo da Matriz não é apenas um marco geográfico. Ele foi o ponto vital da vila, o espaço onde a vida acontecia, onde a história local se moldava dia após dia. Que esta imagem seja mais do que uma curiosidade — que seja uma ponte, um convite à lembrança, e uma forma de honrar o tempo e as pessoas que construíram Macapá.

Um lugar, muitas histórias

O Largo de São Sebastião foi demarcado em fevereiro de 1758, durante a fundação da Vila de Macapá, próximo ao igualmente importante Largo de São João. Com a construção da Igreja Matriz de São José, passou a ser conhecido como Largo da Matriz. Em 1924, recebeu o nome de Capitão Augusto Assis de Vasconcelos, em sua homenagem. Atualmente, o local é conhecido como Praça Veiga Cabral — um espaço cuja importância simbólica já estava consolidada muito antes da mudança oficial de nome.

Um olhar sobre o passado

  • No mesmo quarteirão, funcionaram também a Garagem Territorial e a primeira Usina de Força e Luz da cidade.

Um registro entre o passado e o futuro

Essa imagem é muito mais que uma simples fotografia — é um retrato da transição entre o colonial e o moderno, entre a memória e o futuro. Ao revisitar o Largo da Matriz, revisitamos também uma parte essencial da nossa identidade.

Fonte: Relatório oficial do Governo Janary Nunes, ao presidente Vargas, em 1946.

domingo, 29 de junho de 2025

MORRE EM MACAPÁ, AOS 94 ANOS - Thereza Tavares Coimbra – Uma Vida Dedicada ao Amapá

No dia 28 de junho de 2025, Macapá perdeu uma de suas figuras mais queridas e respeitadas: Thereza Tavares Coimbra, que partiu no dia em que completava 94 anos. Sua trajetória se confunde com a própria história do Amapá, especialmente nos tempos de formação da capital.


A alma da Casa Leão do Norte

Por mais de 40 anos, Thereza dedicou-se ao atendimento no tradicional comércio Casa Leão do Norte, um dos mais emblemáticos pontos comerciais do centro de Macapá. Mais do que vendedora, ela era uma conselheira, confidente e referência para os fregueses, como se dizia carinhosamente à época.

"Ela sabia exatamente onde estava cada parafuso, cada correia, cada peça de motor. Era impressionante. E sempre com um sorriso no rosto."

— relato de Leão Zagury - Médico 

Uma família de pioneiros

Filha de José Rosa Tavares e Maria do Carmo Tavares, Thereza fazia parte de uma família numerosa e profundamente enraizada na história do Amapá. Era irmã de nomes marcantes como Zeca Tavares, João do Carmo Tavares (Jangito), Faustino, Biló e Quitéria, esta última também funcionária da tradicional loja dos Irmãos Zagury.

Registros históricos

VISITANDO MACAPÁ - Com as amigas/irmãs Quitéria e Thereza Tavares. Foto by Édi Prado. 2013
"Tive a honra de reencontrar dia 3 de fevereiro de 2012 no consultório do Dr. Paulo Rebelo, as amigas Maria Quitéria do Carmo Tavares, de 86 anos e Tereza do Carmo Tavares Coimbra, de 81 anos. Quitéria trabalhou na fábrica do Guaraná Flip e Tereza por muitos anos foi funcionária da empresa Irmãos Zagury."(Paulo Tarso Barros)

Sarah Zagury -> Thereza Tavares faz parte da história de Macapa. Stposnr hm3mg0o9213t623 m13i0nda148c9i7j7 u19 dee
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segunda-feira, 23 de junho de 2025

MEMÓRIAS DO RÁDIO AMAPAENSE > ECOS DA RÁDIO DIFUSORA DE MACAPÁ

“Menino Chorão” e os ecos da Rádio Difusora de Macapá nos anos 60

Imagem criada com ajuda de IA
Em meio aos sons que embalaram o cotidiano de Macapá nos anos 1960, poucos marcaram tão profundamente quanto “Menino Chorão”, do Trio Jangadeiro. 
Simples e comovente, a canção conquistou os corações dos ouvintes e tornou-se uma das mais pedidas no tradicional programa Carnet Social, transmitido todas as tardes pela Rádio Difusora de Macapá.
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Mais do que apenas uma melodia popular, “Menino Chorão” virou trilha sonora de uma época — das tardes radiadas de emoção, alegria e esperança. Hoje, resgato essa lembrança querida, que ainda ecoa viva na minha memória e, certamente, na de tantos amapaenses daquela geração.

Análise Reflexiva

Menino Chorão: Um Espelho da Infância em Dois Brasis

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A cantiga popular Menino Chorão”, composta por J. Guimarães e eternizada pelo Trio Jangadeiro, permanece viva e pungente mesmo décadas após sua criação. O lamento infantil retratado na letra ultrapassa o tempo, revelando-se hoje como um retrato fiel da infância em um Brasil ainda profundamente dividido entre riqueza e pobreza. Adaptá-la ao cenário atual é olhar com atenção para as novas formas de exclusão, os velhos silêncios e as estratégias de sobrevivência das famílias brasileiras.

Hoje, o menino chorão continua presente — nas ruas, nos condomínios, nas favelas e nas redes sociais. Ainda ouvimos choros: uns abafados por tablets de última geração, outros silenciados pela fome ou pelo medo. A diferença entre os consolos oferecidos aos filhos de ricos e pobres, como denuncia a canção, continua evidente. A criança rica, agora, é acalmada com um celular nas mãos, promessas de viagens ou brinquedos educativos. Seus pais, muitas vezes ausentes fisicamente, tentam compensar com presentes e telas aquilo que não podem — ou não sabem — oferecer em presença e escuta.

Do outro lado, o filho da classe trabalhadora — muitas vezes criado por uma mãe solo que enfrenta uma jornada tripla — é acalmado com palavras improvisadas, com ameaças simbólicas (“vou chamar o velho”, “olha o bicho”) ou simplesmente deixado a chorar, enquanto a mãe luta para pôr comida na mesa, pagar o aluguel e manter o mínimo de dignidade. A farinha para o angu, mencionada na canção, continua simbolizando aquilo que falta: não apenas alimento, mas tempo, acolhimento, estrutura.

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O trecho Dorme, menino, que eu tenho o que fazer ecoa hoje no grito silencioso de tantas mães que criam seus filhos sozinhas em meio à precariedade. Lavar, engomar, cozinhar — hoje substituídos por jornadas em aplicativos, faxinas, cuidados em casas alheias. O cuidado com os filhos, nesse cenário, é feito entre as pausas do cansaço.

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A canção também aponta para a forma como a infância pobre é muitas vezes controlada pelo medo. Em vez de diálogo ou afeto, usa-se o recurso do susto: olha o sapo cururu, olha o velho. Essa pedagogia do medo, ainda presente, reforça uma educação marcada pela urgência e pela sobrevivência, onde não há espaço para escuta ou desenvolvimento emocional.

Adaptada ao presente, Menino Chorão é mais do que uma cantiga: é um alerta. Fala sobre como as infâncias são moldadas pelas condições materiais e afetivas em que se desenrolam. Em um país onde tantas crianças vivem abaixo da linha da pobreza, a canção nos convida a pensar: o que é consolo para uma criança em um mundo desigual? Como podemos garantir uma infância digna, onde o choro seja escutado com atenção — e não silenciado por objetos ou ameaças?

Enquanto houver meninos chorando por razões que não podem dizer — por fome, solidão ou ausência — a canção seguirá atual. É nosso dever coletivo fazer com que, um dia, todas as crianças possam chorar apenas porque são crianças. E que, em vez de silenciadas, sejam acolhidas.


domingo, 22 de junho de 2025

MEMÓRIA DA JUSTIÇA NO AMAPÁ – A HISTÓRIA DO JUIZ SEVERINO E SEU LEAL SERVO NO AMAPÁ IMPERIAL

Por Michel Duarte Ferraz (*)

Em 1859, a então recém-criada Comarca de Macapá recebia seu primeiro Juiz de Direito: Severino Alves de Carvalho Junior. Vindo da Comarca de Vassouras, na província do Rio de Janeiro, o magistrado carregava não apenas a experiência como Promotor Público, mas também um forte elo com o governo imperial. Essa proximidade pode ter contribuído para sua nomeação, assinada no dia 3 de janeiro daquele ano.

A chegada ao Norte foi paulatina. 

ADMINISTRAÇÃO da Justiça. Gazeta Oficial (PA), Ano II, N. 222, 05.10.1859.

Desembarcou em Belém em 23 de maio e, poucos dias depois, seguiu viagem para Macapá, acompanhado por dois servos, Raimundo e Jacinto — ambos registrados pela Repartição de Polícia como escravizados de sua propriedade.

REPARTIÇÃO de Polícia – Relação de pessoas despachadas em 04 de junho. A Época: Folha Politica, Comercial e Noticiosa (PA), Ano II, n. 125, 07.06.1859.

Em 7 de junho, já exercia a função judicial na longínqua comarca amazônica.

Apesar da curta passagem por Macapá, o juiz Severino deixou marcas significativas. Sua atuação foi elogiada pela imprensa da época como exemplo de legalidade, imparcialidade e probidade. E foi além da esfera jurídica: envolveu-se também em ações que hoje chamaríamos de humanitárias, como a organização de abrigos e o fornecimento de mantimentos para indígenas do rio Vila Nova, trabalho que contou com apoio logístico e financeiro do governo provincial.

CORRESPONDENCIA Particular do Conservador. Brejo, 23 de fevereiro de 1860. O Conservador: Folha Política e Industrial (MA) – Ano II – N. 59 – 10.04.1860

Mas foi em 1860, durante uma visita à sua terra natal — a vila de Brejo, no Maranhão —, que se desenrolou um episódio revelador sobre os limites da justiça, os contornos da escravidão e a tensão racial que permeava o cotidiano do Império.
Imagem ilustrativa criada por IA

Na comitiva do magistrado seguia Raimundo, seu pajem, descrito por jornais da época como “trajando com decência, como é de costume entre pessoas distintas”. A presença de Raimundo causou incômodo. Ao circular pela vila cumprindo ordens de seu senhor, o jovem escravizado foi abordado por um integrante do chamado “grupinho mata-vigário”, facção local envolvida em disputas políticas. Tentaram extrair dele informações sobre conversas privadas da casa da família Carvalho. Ao se recusar, foi preso.

A arbitrariedade do ato foi denunciada por um jornal local:

“Sem causa, sem respeito à hospitalidade, o pajem foi agredido e preso pelo imbecil subdelegado Torquatinho, instrumento dócil do grupinho.”

Para defender seu servo, o juiz Severino impetrou habeas corpus. Raimundo foi solto no dia seguinte, mas não sem antes passar pela humilhação de carregar na cabeça o barril de imundícies da cadeia local. A justificativa oficial da prisão? “Andar o escravo como forro, e fazendo immoralidades.”

Seria “andar como forro” usar sapatos e roupas limpas? E “fazer immoralidades” significaria manter a cabeça erguida e responder com firmeza? Essas perguntas ficaram sem resposta.

Esse episódio escancara não apenas as contradições de um sistema escravocrata em declínio, mas também como as tensões raciais e políticas se entrelaçavam de maneira brutal. O juiz, mesmo distante das intrigas locais, viu seu pajem virar alvo para atingir sua honra e a de sua família. E, como ainda se diz nos dias de hoje, “a corda sempre arrebenta do lado mais fraco”.

Além de uma crônica de costumes, essa memória do Amapá imperial é um retrato doloroso de como o poder da força — policial, política ou social — tantas vezes se impôs ao da justiça.

 (*) Museólogo do TJAP

MEMÓRIA DO MOVIMENTO ESCOTEIRO DO AMAPÁ

Nos primeiros anos do Território Federal do Amapá , os tradicionais desfiles cívicos eram realizados na Praça Barão do Rio Branco , um dos ...